sexta-feira, 28 de outubro de 2011

APORIA DE MÊNON: Querela entre Platão e Aristóteles

Platão e Aristóteles



Por: R. G. Santos

INTRODUÇÃO

O texto que se segue tem como objetivo principal instaurar uma compreensão a respeito da relação entre Platão e Aristóteles na perspectiva do conhecimento. Buscaremos compreender o como se dá tal “diálogo” entre os dois filósofos no tocante à compreensão e solução da aporia de Mênon. Ao final perceberemos a solução original dada pelo Estagirita (Aristóteles) que rompe com a noção de conhecimento como “anamnese”, oriunda de Platão.

APORIA DE MÊNON

Muitas das querelas filosóficas desembocam no que se convencionou chamar “aporia”. Esta, nos dizeres de Hegenberg e Silva (2005, p. 34), nos remete a “(...) qualquer dificuldade ou enigma teorético”.

Grande arauto de “querelas” e de “dificuldades” filosóficas fora Platão. Em seus diálogos é lugar comum um ou mais problemas a serem detectados. Dos mais importantes tem-se aquele enunciado no diálogo Mênon.

Ali o fundador da Academia, discutindo questões relativas ao conhecimento, propõe o seguinte: como podemos estabelecer investigação daquilo de que não se tem conhecimento prévio? Em outros termos, para quê investigar acerca do que já se tem conhecimento?

Eis a questão, eis a dificuldade! O conhecimento pode ser adquirido? Pode ser apreendido? Platão concede ao problema uma solução sui generis: Nossa alma, em sentido próprio, não conhece, mas sim rememora. Afinal, a mesma já possuiria conhecimento próprio por ter contemplado toda a realidade em um suposto “Mundo das Idéias”.

Portanto, é-nos necessário – segundo Platão- somente rememorá-lo, por meio do processo chamado “anamnese”. É nesse sentido que se lê no Mênon: “O procurar e o aprender são, no seu total, uma rememoração” (81 d 4).

SOLUÇÃO ARISTOTÉLICA

Aristóteles, discípulo de Platão, vai deter-se de modo especial nessa questão posta no Mênon. Filósofo da “imanência” e “empírico”, forjará uma solução radical da aporia platônica, que ele começa por questionar já no livro I dos Segundos Analíticos¹.

No livro II a questão já é posta diretamente: Nós podemos adquirir o conhecimento dos Primeiros Princípios, ou eles já se encontram em nós, e não sabemos que o possuímos? Em outros termos, podemos assumir ou não a solução proposta por Platão?

O Estagirita começa por não aceitar a solução Platônica. Pontua que a busca do conhecimento deve dar-se na mediação dos sentidos (Santo Tomás de Aquino encontrará aqui vasto horizonte para suas reflexões...). Eles são possíveis aos seres animados, grosso modo, e, sobretudo, aos homens. Aristóteles diz a esse respeito que:

Aristóteles

“É manifesto que não é possível nem que as possuamos, nem que elas nos sejam instiladas na medida em que não temos conhecimento e não possuímos nenhuma disposição. Ora, é necessário então dispor de alguma capacidade, mas não uma capacidade tal, que, pela exatidão, fosse mais valorosa do que essas habilitações. E isso, ao menos, manifestamente encontra-se em todos os animais. Pois eles possuem uma capacidade discriminativa inata. à qual se chama sensação. E, havendo sensação neles, em alguns dos animais se instila assentamento do que foi percebido, mas em outros não se instila. Assim, para todos os animais em que não se instila - não há conhecimento fora do sentir; ao passo que, nos animais em que se instila, é possível, na medida em que sentem, reter (o conhecimento) ainda na alma”² (99b30-41).


A partir das sensações forma-se a experiência que é retida na alma pela faculdade da memória. Por meio da recordação múltipla das impressões de dados objetos semelhantes forma-se o universal³.

Acerca do universal, Aristóteles vai dizer que o mesmo não é alcançável por virtude de uma rememoração, por já se encontrar previamente disponível na alma
 (aporia platônica no Mênon). Tais noções surgem em nós “a partir da sensação”que advêm do contato com os particulares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estas são, portanto, as reflexões que julgamos mister fazer na presente questão. Vimos que a solução platônica é superada pela proposta aristotélica de um acesso ao conhecimento na mediação da sensação. Tal conhecimento é adquirido e não preexistente no sujeito.

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NOTAS:

1 Cf. 71 a 30

2 Negrito nosso

3 Cf. 100 a 3-6  

REFERÊNCIAS :

ARISTÓTELES. Segundos Analíticos. Trad. Lucas Angioni. Cadernos de Tradução n. 4. Campinas: IFCH/UNICAMP, 2002.

HEGENBERG, Leonidas, SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade. Novo dicionário de lógica. Rio de Janeiro: Pós-Moderno, 2005.

PLATÃO. Mênon. Trad. Maura Iglésias. 3ª Ed. São Paulo: Loyola, 2005.



quarta-feira, 19 de outubro de 2011

LAICISMO: Marsílio de Pádua e Ockham

Marsílio de Pádua
Guilherme de Ockham



Por R. G. Santos

INTRODUÇÃO

Ao estudarmos a filosofia medieval constatamos ser a mesma um mosaico de concepções. Em outros termos, muitos são os pressupostos forjados nesse período para o entendimento da vida social.

Dentro desta perspectiva, destacam-se dois pensadores que, cada um a seu modo, elaboraram reflexões cujas conseqüências rompem radicalmente com o modelo de pensamento político vigente. São eles Guilherme de Ockhan e Marsílio de Pádua.

Nesse sentido, o objetivo do texto é, sobretudo, compreender o modo como cada um deles rompe com uma idéia política amparada na noção de cristandade rumo ao chamado laicismo.

Ao fim e ao cabo, perceber-se-á o vigor da radicalidade de nossos autores ao pensarem a realidade política destituída de influências eclesiásticas e religiosas.


MARSÍLIO DE PÁDUA

Nossa primeira consideração se deterá no pensamento de Marsílio de Pádua. Nesse italiano se tem um espírito imbuído pela crítica e pelas distinções, sobretudo, em matéria política. Separará a razão da fé, influenciará posteriormente muitos arautos da modernidade e desta será, em certo sentido, um claro prelúdio.

Marsílio de Pádua
Em Marsílio se encontra um acento positivo do homem. Esse, aqui entendido, é capaz de, por si, praticar atos concretos: tanto na esfera individual como na política. É aqui que encontramos o ponto nevrálgico de sua concepção política: a cidade pode se auto-sustentar. Pode forjar mecanismos capazes de fomentar o viver, e o viver bem.

Em outros termos, cada cidadão, tanto na esfera individual da vida como na grupal ou coletiva, pode criar mecanismos de vida feliz e mais: sem uma intervenção, mesmo tácita, da Igreja.

Já há aqui um redimensionamento da influência política da religião: ela se torna uma peça a mais no “quebra–cabeças” da construção citadina. Tem sua vigência e seu valor na medida em que incute nos homens valores e virtudes que os façam melhores. Isso redundará em benefícios para a sociedade.

Eis a contribuição da religião, entendida em acentos claramente funcionais. Seu discurso e sua alçada remetem única e propriamente ao além. Assuntos relativos à lei e ao Estado não se encontram na esfera de sua influência.

Como conseqüência disso que apontamos, tem-se a valorização do povo e de sua soberania, além do próprio Estado.


GUILHERME DE OCKHAM

Seguindo os delineamentos traçados outrora por Marsílio, temos a reflexão de Guilherme de Ockham. Franciscano “radical”, também aventa idéias inovadoras para seu tempo: em matérias filosóficas, políticas e eclesiásticas numa perspectiva “crítico-contestatória”.

Guilherme de Ockham
Nosso autor proporá o divórcio- segundo ele necessário- entre a razão e a fé. Ambas, de acordo com nosso ilustre frade, podem “render melhor” se forem concebidas em seus respectivos âmbitos.

Acompanhando esse primeiro divórcio, tem-se também um simultâneo rompimento entre a alçada civil e a eclesiástico-religiosa. Percebendo que o modelo de cristandade redundaria concretamente em ingerências e confusões (sobretudo por parte da autoridade religiosa), propõe a separação das esferas supracitadas. As coisas da fé são as coisas da fé. As coisas da política são as da política. Em termos bíblicos, “dar a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus”.

Percebe-se aqui que o poder temporal torna-se autônomo e soberano em seus domínios e competências. O governante tem suas prerrogativas de governo dadas diretamente por Deus, não necessitando da chancela do representante maior da Igreja, o papa.

Sobre o pontífice, Ockham irá tecer algumas considerações polêmicas.Não obstante o intento que persegue ao reduzir a amplitude de sua influência na sociedade, Ockham acaba por mitigar suas prerrogativas intra muros eclesiae (dentro dos muros da Igreja). Isso se dá, sobretudo, quando propõe a democracia na escolha do sucessor de Pedro, dando uma valorização maior do povo cristão em tal processo.

O enredo da crítica ao papado, dessa maneira, seria o combate à ênfase excessiva no próprio alcance dos atributos papais. É aqui que se entende a crítica à “plenitude do poder”. Nem na sociedade temporal, nem na eclesiástico-espiritual o poder exercido pelo papa se dá de modo correto.

CONCLUSÃO

Diante de tudo o que pontuamos, podemos definir uma conseqüência quase que evidente: a Igreja, e por tabela o papa, devem perder gradualmente sua influência na sociedade. Mais: quando a perspectiva cristã deixa de dar o tom nas instituições e até de moldá-las, dá-se largas ao laicismo: esse modus vivendi que relativiza, por assim dizer, a relevância do discurso religioso como definidor mor dos rumos do caminhar sócio-político.

São estas, portanto, as considerações que julgamos mister fazer a respeito desses autores, que ainda no medievo preparam o surgimento da modernidade.

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OBRAS CONSULTADAS


OCKHAM, Guilherme. Obras Políticas. Trad. José Antônio C.R. Souza. Porto Alegre: EDIPUCRS/USF, 1999. 

PÁDUA, Marsílio de. O defensor da paz. Trad. José Antônio C.R.Souza. Petrópolis: Vozes, 1995.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

“A CORRUPÇÃO PRECISA DE VOCÊ!”





Por: Prof. Pedro M. da Cruz

Essa é Boa! Os senhores se lembram das vassouras¹ que foram colocadas na Esplanada dos Ministérios, em frente ao Congresso Nacional, como ato simbólico de um certo Movimento²? Pois é, parte delas foram FURTADAS!(risos, risos e mais risos, para não chorar, claro!) Meu Deus, em que mundo estamos...

Só para recordar: simbolizando o combate à corrupção, 594 vassouras ( número correspondente ao total de deputados e senadores) foram fincadas, no dia 27 de setembro deste ano, no gramado da Esplanada, em Brasília. Ora, na tarde do dia 28, organizadores do protesto levaram a maioria das vassouras para serem distribuídas aos parlamentares. Até aí, tudo bem!O que, porém, mais chamou a atenção foi o fato de mais ou menos cinqüenta delas, que haviam ficado no gramado, terem sido levadas por “Deus sabe quem!”. Quanta degradação!

Percebamos que, se atos de corrupção existem na Política nacional, é devido ao fato de antes mesmo já haverem sido gestados numa sociedade onde a ilegalidade é vista por muitos como parte integrante da paisagem natural. Millôr Fernandes, por exemplo, em um de seus conhecidos cartuns, fez interessante ironia com referência a essa triste realidade. Escreveu: “Jovem, cumpra seu dever: a corrupção precisa de você!”

Que a coisa já esteja largada, não é novidade para ninguém. Vemos pelo Brasil desde Políticos usando dinheiro público para manter funcionários particulares³, até desembargadores afastados pelo CNJ sob acusação de desvio de verbas de Tribunal de Justiça para financiar obra da Maçonaria. Razão tinha a Corregedora Eliana Calmon, que a respeito da Magistratura afirmara haver “bandidos atrás das togas.”...

Alguns parlamentares saíram  para pegar as suas vassouras.

Terminemos este artigo com uma questão “maldosa” levantada por alguém: “Mas, quem roubou as vassouras, afinal de contas? Creio que tenham sido os políticos... para limparem a política nacional, óbvio!".


Maria Santíssima, rogai por nós!


NOTAS:
1 Folha de São Paulo. Poder, A12. Quinta-Feira, 29 de setembro de 2011.
2 O Objetivo do ato, que ocorreu em praia do Rio de janeiro na semana passada, era pedir ações contra a corrupção.
3 Por exemplo, entre outros, o Senador Alfredo Nascimento do PR; Pedro Novais do PMDB-MA(que gastou parte do dinheiro até mesmo em festinha particular num Motel, apesar da Idade); e Arnaldo Jardim do PPS.