quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

SÃO JOÃO PAULO II SOBRE FÉ E RAZÃO


São João Paulo II (1920-2005)

Postado por Editores do Blog

Convidamos nossos leitores a acompanhar abaixo uma interessante reflexão de São João Paulo II, a respeito do gradativo distanciamento ocorrido entre a fé e a razão desde a baixa Idade Média. Cremos que as palavras do papa muito ajudarão a compreender um pouco mais a triste decadência no pensamento hodierno. 


CARTA ENCÍCLICA
FIDES ET RATIO 
DO SUMO PONTÍFICE 
JOÃO PAULO II
AOS BISPOS DA IGREJA CATÓLICA


CAPÍTULO IV - A RELAÇÃO ENTRE A FÉ E A RAZÃO (45-48)


"Quando surgiram as primeiras universidades, a teologia começou a relacionar-se mais diretamente com outras formas da pesquisa e do saber científico. Santo Alberto Magno e Santo Tomás, embora admitindo uma ligação orgânica entre a filosofia e a teologia, foram os primeiros a reconhecer à filosofia e às ciências a autonomia de que precisavam para se debruçar eficazmente sobre os respectivos campos de investigação. Todavia, a partir da
Fides et Ratio,
lançada em 1998
baixa Idade Média, essa distinção legítima entre os dois conhecimentos transformou-se progressivamente em nefasta separação. Devido ao espírito excessivamente racionalista de alguns pensadores, radicalizaram-se as posições, chegando-se, de facto, a uma filosofia separada e absolutamente autónoma dos conteúdos da fé. Entre as várias consequências de tal separação, sobressai a difidência cada vez mais forte contra a própria razão.
Alguns começaram a professar uma desconfiança geral, céptica ou agnóstica, quer para reservar mais espaço à fé, quer para desacreditar qualquer possível referência racional à mesma (...) As radicalizações mais influentes são bem conhecidas e visíveis, sobretudo na história do Ocidente. Não é exagerado afirmar que boa parte do pensamento filosófico moderno se desenvolveu num progressivo afastamento da revelação cristã até chegar explicitamente à contraposição. No século passado, este movimento tocou o seu apogeu. Alguns representantes do idealismo procuraram de diversos modos, transformar a fé e os seus conteúdos, inclusive o mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo, em estruturas dialéticas racionalmente compreensíveis. Mas a esta concepção, opuseram-se diversas formas de humanismo ateu, elaboradas filosoficamente, que apontaram a fé como prejudicial e alienante para o desenvolvimento pleno do uso da razão. Não tiveram medo de se apresentar como novas religiões, dando base a projetos que desembocaram, no plano político e social, em sistemas totalitários traumáticos para a humanidade.

Idéias de Marx influenciaram
a "Teologia da Libertação"
No âmbito da investigação científica, foi-se impondo uma mentalidade positivista, que não apenas se afastou de toda a referência à visão cristã do mundo, mas sobretudo deixou cair qualquer alusão à visão metafísica e moral. Por causa disso, certos cientistas, privados de qualquer referimento ético, correm o risco de não manterem, ao centro do seu interesse, a pessoa e a globalidade da sua vida. Mais, alguns deles, cientes das potencialidades contidas no progresso tecnológico, parecem ceder à lógica do mercado e ainda à tentação dum poder demiúrgico sobre a natureza e o próprio ser humano. Como consequência da crise do racionalismo, apareceu o niilismo. Enquanto filosofia do nada, consegue exercer um certo fascínio sobre os nossos contemporâneos. Os seus seguidores defendem a pesquisa como fim em si mesma, sem esperança nem possibilidade alguma de alcançar a meta da verdade. Na interpretação niilista, a existência é somente uma oportunidade para sensações e experiências onde o efémero detém o primado. O niilismo está na origem duma mentalidade difusa, segundo a qual não se deve assumir qualquer compromisso definitivo, porque tudo é fugaz e provisório.

 Nietzsche, escreveu
sobre uma Morte de Deus
Por outro lado, é preciso não esquecer que, na cultura moderna, foi alterada a própria função da filosofia. De sabedoria e saber universal que era, foi-se progressivamente reduzindo a uma das muitas áreas do saber humano; mais, sob alguns dos seus aspectos, ficou reduzida a um papel completamente marginal. Entretanto, foram-se consolidando sempre mais outras formas de racionalidade, pondo assim em evidência o carácter marginal do saber filosófico. Em vez de apontarem para a contemplação da verdade e a busca do fim último e do sentido da vida, essas formas de racionalidade são orientadas, ou pelo menos orientáveis, como « razão instrumental » ao serviço de fins utilitaristas, de prazer ou de poder. (...) Na sequência destas transformações culturais, alguns filósofos, abandonando a busca da verdade por si mesma, assumiram como único objetivo a obtenção da certeza subjetiva ou da utilidade prática. Em consequência, deu-se o obscurecimento da verdadeira dignidade da razão, impossibilitada de conhecer a verdade e de procurar o absoluto.


Assim, o dado saliente desta última parte da história da filosofia é a constatação duma progressiva separação entre a fé e a razão filosófica. É verdade que, observando bem, mesmo na reflexão filosófica daqueles que contribuíram para ampliar a distância entre fé e razão, se manifestam às vezes gérmenes preciosos de pensamento que, se aprofundados e desenvolvidos com mente e coração reto, podem fazer descobrir o caminho da verdade. Estes gérmenes de pensamento podem-se encontrar, por exemplo, nas profundas análises
João Paulo II morreu em 2005 aclamado como santo.
sobre a percepção e a experiência, a imaginação e o inconsciente, sobre a personalidade e a intersubjetividade, a liberdade e os valores, o tempo e a história. Inclusive o tema da morte pode tornar-se, para todo o pensador, um severo apelo a procurar dentro de si mesmo o sentido autêntico da própria existência. Todavia isto não pode fazer esquecer a necessidade que a atual relação entre fé e razão tem de um cuidadoso esforço de discernimento, porque tanto a razão como a fé ficaram reciprocamente mais pobres e débeis. A razão, privada do contributo da Revelação, percorreu sendas marginais com o risco de perder de vista a sua meta final. A fé, privada da razão, pôs em maior evidência o sentimento e a experiência, correndo o risco de deixar de ser uma proposta universal. É ilusório pensar que, tendo pela frente uma razão débil, a fé goze de maior incidência; pelo contrário, cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstição. Da mesma maneira, uma razão que não tenha pela frente uma fé adulta não é estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do ser. (...) Ao desassombro (parresia) da fé deve corresponder a audácia da razão."




Dado em Roma, junto de S. Pedro, no dia 14 de Setembro
 Festa da Exaltação da Santa Cruz - de 1998, vigésimo ano de Pontificado.


FONTE: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jpii_enc_14091998_fides-et-ratio_po.html

2 comentários:

Marlan Batista disse...

Ótimo texto de São João Paulo II. Denúncia esta ditadura do relativismo que reina no mundo moderno e pós moderno. Que teve início com o surgimento dos primeiros iluminados no final da Idade Média com os Iluministas. Uma pena que o homem não perceba que, a despeito de uma falsa visão da Idade Média, esta separação da Razão e da Fé nos levou progressivamente a uma decadência humana.

In Corde Iesu et Mariæ seper.

Fé Católica disse...

Prezado Marlan Alves Santana Batista, obrigado por sua postagem. Que Deus lhe abençoe e ilumine. Maria Sempre!