quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O PAPA PODE ERRAR QUANDO ENSINA?

Papa Pio IX proclama Dogma da Infalibilidade papal - 1870


Prof. Pedro Maria da Cruz


“A opinião que então o Papa expunha não era conforme à verdade. A discussão entre Franciscanos e Dominicanos mais se acendeu.” (Pe. Bujanda -1953)

 Nós somos felizes por termos sido fundados em um homem de “Pedra” (São Pedro - Kephas). Ele é a base firme e visível que dá solidez ao edifício da verdade cuja causa primeira é o próprio Deus. Foi o que escrevera no século XVII, Padre Antônio Vieira: “Arruinou-se-lhe o primeiro edifício, porque o fundou em um homem de barro; para que se lhe não arruíne o segundo, funda-o em um homem de pedra”[1]

São tão grandes em dignidade e importância os sucessores de São Pedro que, em virtude de seu oficio, eles gozam, inclusive, de infalibilidade no magistério quando, em seu ensino universal, como Pastores e Doutores supremo de todos os fiéis, proclamam, por ato definitivo, que se deve aceitar uma doutrina sobre a fé e os costumes[2]

Porém, surge uma questão incômoda: “Mas, e em seu ensino privado, os papas podem errar?” Disponibilizamos a seguir aos leitores de nosso blog um interessante fato histórico que ajudará a responder essa demanda. Ademais, o próprio padre Bujanda, autor do texto, já nos esclarece a dúvida em seus comentários...


O PAPA PODE ERRAR EM SEU ENSINO PRIVADO...

O papa João XXII errou no ensino privado
 “No século XIV discutiu-se com ardor entre Franciscanos e Dominicanos se os prêmios dos bem-aventurados e os castigos dos prescritos começavam já em toda a sua plenitude após a morte ou depois do juízo final, em sendo pronunciada a sentença pelo supremo Juiz de vivos e mortos.
Houve, nessa altura, um Papa, João XXII, que se inclinava ao parecer dos Menores, os quais afirmavam que só depois do Juízo final começariam os bem-aventurados a gozar da visão de Deus no céu, e os réprobos a sofrer as penas do inferno.


Num sermão que esse Pontífice pregou no dia de Todos os Santos, em 1331, em Avinhão (França), onde então residia, expôs as seguintes ideias:

O prêmio dos santos, antes da vinda de Cristo, era o seio de Abraão. Depois da vinda de Cristo e da sua ascensão aos céus, tal prêmio até ao dia de Juízo será estar sob o altar (Alusão a certas palavras do Apocalipse, VI, 9), isto é, protegidos e consolados pela humanidade de Cristo. Depois do dia do Juízo será, pelo contrário, estar sobre o altar, porque depois desse dia verão não só a humanidade mas também a divindade, tal como é em si.

Noutro sermão expressou-se deste modo:
 
‘Dizemos que as almas separadas dos corpos não possuem a vista da divindade, na qual consiste o prêmio total dos santos, segundo S. Agostinho, nem terão antes da ressureição (final). Possui-la-ão quando ressuscitarem com os corpos porque tal prêmio se atribuirá ao composto de alma e corpo, quando o homem inteiro for feliz com essa visão. E digo com S. Agostinho: ‘Se estou em erro quem souber mais do que eu, corrija-me’.

A 5 de Janeiro do ano seguinte, disse novamente num sermão:

‘Da visão de Deus dissemos já o suficiente em dias anteriores. Como Deus não é mais pronto para castigar do que para premiar, não dará o castigo ao maus antes de dar o premio aos bons. Mas já dissemos que os bons não entram na vida eterna antes do dia de Juízo. Logo nem sequer os maus irão, antes desse dia, para os tormentos eternos do inferno onde há pranto e ranger de dentes.’ (Veja-se Dictionnaire de théologie, de Vacant Mangenot, Benoit XII, colunas 658 e segs.) 

Assim o Papa, fora do exercício das funções de Pastor e Mestre universal, defendia apenas como pregador, que a recompensa dos predestinados e o castigo dos réprobos não começariam na sua plenitude antes do dia de Juízo.

Como se vê, não se tratava de saber se com a morte ficava irrevogavelmente definido o nosso destino para toda a eternidade, mas unicamente quando começariam com toda a sua força os prêmios ou os castigos.


O papa não é infalível quando fala como
 orador particular e expõe a sua opinião
 num ponto doutrinal ainda indefinido.

Além disso, qualquer pessoa, medianamente instruída em Teologia, sabe perfeitamente que isto nada tem que ver com a infalibilidade pontifícia. O Papa é infalível quando define que uma verdade é de fé, por exemplo, a Imaculada Conceição, ou a Assunção de N. Senhora ao Céu e em outras ocasiões menos solenes. Mas já não o é quando, como no caso presente, fala como orador particular e expõe a sua opinião num ponto doutrinal que não está definitivamente resolvido ou não se sabe com certeza que o esteja

 

A opinião que então o Papa expunha não era conforme à verdade. A discussão entre Franciscanos e Dominicanos mais se acendeu. O Rei de França interveio para que se declarasse qual era a verdadeira doutrina. A morte, porém, impediu aquele Pontífice de decidir a questão. Ao morrer acreditava no contrário do que pregara. Acreditava, portanto, que prémios e castigos começavam a seguir à morte.

Bento XII, seu sucessor, logo desde o principio do seu pontificado quis pôr termo à controvérsia. Ordenou a ambos os partidos contendores que estudassem a questão. E quando tudo estava preparado, a 29 de Janeiro de 1336 durante a solene celebração da Missa, promulgou a sua celebérrima constituição Benedictus Deus da qual extraímos as seguintes passagens. 

 ‘Por esta Constituição, que há de valer para sempre, definimos com autoridade apostólica, que segundo a disposição geral de Deus, depois da ascensão aos céus do Salvador e Senhor nosso Jesus Cristo, as almas de todos os que receberam o batismo e nada tinham que expiar e também todas as que deviam dar uma satisfação, uma vez que a deram, imediatamente depois da morte, e antes de serem de novo unidas a seus corpos, antes do Juízo universal, estiveram, estão e estarão, no Céu com Cristo, no reino e paraíso celestial, agregadas à sociedade dos santos anjos; que vêem a essência divina face a face com visão intuitiva e que tal com tal visão e gozo são verdadeiramente felizes e possuem a vida e o descanso eternos. Definimos, mais, que as almas dos que morreram em pecado mortal, imediatamente depois da sua morte descem ao inferno onde são atormentadas com suplícios infernais... ’”

Fonte: BUJANDA, P. Teologia do Além. Trad. Joaquim A. de Souza. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1953; p. 14-18 (o negrito é nosso) 



MARIA SEMPRE!


BIBLIOGRAFIA:

- VIEIRA, Pe. Antônio. Sermões. Vol. VIII (De São Pedro). Erechim: ELDEBRA, 1998; p.237
- Código de Direito Canônico (CDC) - Cân. 749 - §1 e §2.
- BUJANDA, P. Teologia do Além. Trad. Joaquim A. de Souza. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1953; p. 14-18.
[1] VIEIRA, Pe. Antônio. Sermões. Vol. VIII (São Pedro). Erechim: ELDEBRA, 1998; p.237 [2] Código de Direito Canônico (CDC) - Cân. 749 - §1. Conferir o §2. (Também o colégio dos bispos goza de infalibilidade no magistério; porém a seu modo...)

Um comentário:

Anônimo disse...

Boa indicação.