terça-feira, 20 de abril de 2010

Uma oração profunda e verdadeira





 Por Prof. Pedro M. da Cruz



“Rezamos com a porta fechada quando invocamos, sem descerrar os lábios, Aquele que não leva em consideração as palavras, mas olha o coração.” (J. Cassiano)

A oração é um encontro amoroso, íntimo e profundo entre o homem e Deus; é colocar-se intensa e suavemente na presença divina; arrancar todas as máscaras; revestir-se de santa humildade. Não penses que ela consista propriamente em “muito falar[1], pois, na realidade é, antes de tudo, consciência e verdade; uma lembrança incessante de Deus acompanhada da visão sincera de si mesmo. 

Só um louco pretenderia enganar a Deus; ora, isso seria impossível. Nenhuma criatura está invisível ante os olhos do Senhor, tudo está nú e descoberto perante sua face.[2] Sendo assim, por que nos cansarmos tanto com o infrutuoso trabalho de nos escondermos do Criador, qual Adão no paraíso?[3] Por que continuarmos a imaginar que seria mais sensato ocultarmos fatos de nossa vida como matéria indigna da oração? O Homem só é plenamente ele mesmo quando está, de fato, na presença de Deus; dizemos “de fato” porque, talvez estejamos mais ausentes do que podemos imaginar. “Ser” e “Estar” se fundem; assim, à medida que mais intensamente “estamos” aos pés do Altíssimo, mais “somos” nós mesmos. Alí, na oração, todas as nossas virtudes, assim como, todas as nossas imperfeições, desfilam perante os olhos do Senhor; e não há o que temer, pois, Deus se alegra com nossa sinceridade.

A persistência em ocultar qualquer defeito e limitação que seja na Vida Espiritual é grande impedimento para a felicidade. Perante Deus, portanto, há que se abrir o coração! Mesmo que esse ato de amor custe à nossa alma e venha acompanhado de forte dor e lágrimas.[4] Fala, pois, de seus medos, e não encubras suas mazelas e desejos, mesmo os mais mesquinhos; descreva-os com detalhes, sem receios; afirme-os como seus, só seus, todo seus. Fala dos traumas, daqueles fatos mais dolorosos, daquilo que te escraviza, sim, daquilo que te envergonha. Isso, se feito com sabedoria e discernimento - tenha certeza - acarretará grande proveito espiritual. 

Esse “falar”, muitas vezes, não implica necessariamente em palavras, mas sim, em “saber-se”, sentir-se como tal. É no calor do abraço divino que se derretem nossas imperfeições e se desfazem nossas formas indevidas. Uma oração verdadeira e profunda é mais densa que prolixa.[5] O silêncio, intensificado pelo desejo, mesmo que não pareça, é mais ativo e eficaz que a mera conversação vazia a que tantos insensatos pretendem nos obrigar. As palavras, porém, quando realmente carregadas de sentido, são, na verdade, a roupagem do silêncio... no entanto, deixemos para outro momento este aspecto da oração para nos fixarmos mais propriamente naquilo que temos abordado. 

Disse Jesus: “Ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai que vê o oculto te recompensará.”[6] Este era o conselho que o divino Mestre dava aos seus seguidores com firme propósito de que vencessem a hipocrisia e o orgulho. Bom, mas que recompensa seria esta a que se referia o Redentor? Não seria também o progresso na Vida Espiritual? E, se “primeiro vem o homem, depois o santo” como alguns costumam se expressar, então torna-se claro que esta recompensa de que nos fala o Salvador alcançará o ser humano em sua totalidade, integrando-o em sua relação consigo mesmo, mas, também, com os outros, tudo isso, obviamente, numa concomitante e progressiva inter-relação entre ele e Deus. 

Veja, caro leitor, que a prática da oração pessoal, se profunda e verdadeira, tem como conseqüência certa, a transformação total da vida do indivíduo em suas várias relações. Creio, que se nos perguntassem, por exemplo, o motivo de a sociedade atual encontrar-se em tal estado de letargia e desordem em que a vemos, poderíamos responder, e com toda a sinceridade, que é devido ao abandono de um verdadeiro exercício espiritual. Poucos rezam muito, e muitos desses poucos rezam mal. 

Eleva, pois, sua mente a Deus; toma consciência da “amável presença” e revele-se perante a Santíssima Trindade. Assim, serás qual barro nas mãos do oleiro, e o divino Espírito poderá fazer de ti aquilo que bem entender. Verás, que no silêncio da oração tudo pode acontecer! 

Finalmente, não queremos ser causa de desânimo para ninguém: seja qual for o grau a que chagares em suas buscas o que importa é prosseguir decididamente na prática espiritual.[7] Que Nossa Senhora do Bom Conselho, exemplo de terna intimidade para com Deus, possa guiar-nos com segurança nessas misteriosas veredas do Espírito Santo, amém. 




[1] Conf. Mat. 6, 7. “A oração é uma ‘conversação’ do espírito com Deus.” (Evágrio Pôntico)
[2] Conf. Heb. 4, 13
[3] Conf. Gen. 3, 8-10
[4] De Cristo se diz: “Nos dias de sua vida mortal, dirigiu preces e súplicas, entre clamores e lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, e foi atendido pela sua piedade. Embora fosse filho de Deus, aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos que teve.”(Hebr.5,7-8)
[5] “Por oração, não entendo o que está apenas nos lábios, mas a que brota do fundo do coração.(J. Crisóstomo)
[6] Conf. Mat. 6, 6
[7] Conf. Fil. 3,16

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