segunda-feira, 26 de abril de 2010

Como Cristo apareceu a Frei João do Alverne

    
 Por Renato César

    Haja vista o testemunho dos grandes santos filhos da Mãe Igreja a nos inspirar, pelo belo modelo que souberam dar, trago aqui aos caros leitores, um caso ímpar, da qual não tenho dúvida há de influenciar e edificar as nossas almas no caminho árduo do seguimento de Nosso Senhor, principalmente em se tratando de momentos em nossa caminhada, dos quais é exigido de nós por parte de Deus, muita perseverança, confiança, amor e devoção para alcançarmos os ditames do amor divino. Vejamos o que segue.
I FIORETTI DI SAN FRANCESCO
CAPÍTULO 49*

     Entre outros sábios e santos frades e filhos de São Francisco, os quais, segundo nosso tempo na dita província da Marca o venerável santo Frei João de Ferno, o qual pelo longo tempo em que viveu no santo convento do Alverne e dali passou desta vida, por isso chamado Frei João do Alverne; porque foi homem de singular vida e de grande santidade. Este Frei João, sendo menino de escola, desejara com todo o coração a vai da penitencia a qual mantem a mundícia do corpo e da alma; pelo que, sendo menino bem pequeno, começou a trazer o cilício de malha e o círculo de ferro na carne nua e a fazer grande abstinência, e especialmente quando vivei com os cônegos de S. Pedro de Ferno, os quais passavam esplendidamente. Ele fugia das delícias corporais e macerava o corpo com grande rigidez de abstinência. Mas, havendo entre os companheiros muitos que eram contra isto, os quais lhe tiravam o cilício, e a sua abstinência por diversos modos impediam, ele, inspirado por Deus, pensou de deixar o mundo com os seus amadores, e de oferecer-se a todo nos braços do Crucificado com o hábito do crucificado S. Francisco, e assim o fez. Sendo, pois, recebido na ordem tão criança e entregue aos cuidados do mestre de noviços, tornou-se tão espiritual e devoto, que às vezes ouvindo o dito mestre falar de Deus, o coração dele se derretia com a como a cera perto do fogo; e com tão grande suavidade de graça se aquecia no amor divino que ele, não podendo estar firme e suportar tanta suavidade, se levantava e como ébrio de espírito punha-se a correr ora pelo horto, ora pela floresta, ora pela igreja, conforme a flama e o ímpeto do espírito o impeliam. 
     
     Com o correr do tempo a divina graça continuamente fez este homem angélico crescer de virtude em virtude e em dons celestiais e divinas elevações e arroubamentos; tanto que de algumas vezes sua mente era erguida a esplendores de querubins, de outras vezes a ardores de serafins, de outras vezes a gáudio dos bem-aventurados, de outras vezes a amorosos e excessivos abraços de Cristo, não somente por gostos espirituais internos, mas também expressivos sinais exteriores e gostos corporais. E singularmente uma vez por modo excessivo inflamou o seu coração a chama do amor divino, e nele durou esta chama bem três anos; no qual tempo ele recebia maravilhosas consolações e visitas divinas e freqüentes vezes era arrebatado em Deus; e, brevemente, no dito tempo ele parecia todo inflamado e inclinado no amor de Cristo: E isto aconteceu no monte santo do Alverne. Mas porque Deus tem singular cuidado com seus filhos, dando-lhes, confirma a diferença dos tempos, ora consolação, ora tribulação, ora prosperidade, ora adversidade. Como vê as precisam para se manterem na humildade, ou para lhes acender o desejo das coisas celestiais; aprove à divina bondade depois de três anos retirar do tido Frei João este raio e esta flama do divino amor, e privou-o de toda consolação espiritual: pelo que Frei João ficou sem lume e sem amor de Deus, e todo desconsolado e aflito e dolorido. Pela qual coisa ele tão agoniado andava pela floresta vagando por aqui e por ali, chorando com vozes e lágrimas e suspiros o dileto esposo de sua alma, o qual se havia escondido e dele se partira sem cuja presença sua alma não achava trégua nem repouso. Mas em nenhum lugar, nem de maneira nenhuma ele podia encontrar o doce Jesus, nem readquirir aqueles suavíssimos gostos espirituais do amor de Cristo a que estava acostumados. E durou-lhe esta tribulação por muitos dias, durante os quais perseverou em contínuo chorar e suspirar, pedindo a Deus que lhe restituísse por sua piedade o dileto esposo de sua alma. Por fim, quando aprouve a Deus ter provado bastante a paciência dele e inflamado o seu desejo, um dia em que o dito Frei João andava pela dita floresta assim o aflito e atribulado pelo cansaço, se assentou, encostado-se a uma faia, e estava com a face toda banhada de lágrimas a olhar para o céu; e eis que subitamente apareceu subitamente Jesus Cristo perto dele no atalho pelo qual Frei João tinha vindo, mas nada disse. Vendo-o Frei João e reconhecendo bem que ele era Cristo, subitamente se lhe lançou aos pés e com desmesurado pranto rogava-lhe humilissimamente e dizia: “Socorre-me, Senhor meu, quem sem ti, Salvador meu dulcíssimo, fico em trevas e em lágrimas; sem ti, cordeiro mansíssimo, estou em agonia e em pena e com pavor; sem ti, filho de Deus altíssimo, estou confuso e envergonhado; sem ti estou despojado de todos os bens e cego, porque tu és Jesus Cristo, verdadeira luz da alma; sem ti estou perdido e danado, porque és a vida da alma e vida da vida; sem ti sou estéril e árido, porque és a fonte de todos os dons e de todas as graças; sem ti estou de todo desconsolado, porque és Jesus nossa redenção, amor e desejo, pão reconfortante e vinho que alegra os coros dos anjos e os corações de todos os santos. 

     Alumia-me, mestre graciosíssimo e pastor piedosíssimo, porque o desejo dos santos homens, ao qual Deus tarda a atender, os abrasa em mais alto amor e mérito, Cristo bendito se parte sem ouvi-lo e sem falar-lhe nada e desapareceu pelo dito atalho. Então Frei João se levantou e corre atrás dele novamente se lhe lança os pés, e com santa importunidade o retém e com devotíssimas lágrimas roga, e diz:” Ó Jesus Cristo dulcíssimo, tem misericórdia de mim o atribulado, atende-me pela multidão de tua misericórdia e pela verdade da tua salvação, restitui-me a letícia da face tua e do teu piedoso olhar, porque de tua misericórdia é plena toda a terra”. E Cristo ainda se parte e faz como a mãe ao filho quando o deixa gritar pelo peito e faz que venha atrás dela chorando a fim de que ele mame com mais vontade. Pelo que Frei João com mais fervor ainda e desejo seguiu a Cristo; e chegando que foi a ele, Cristo bendito voltou-se e olhou-o com o semblante alegre e gracioso; e abrindo os seus santíssimos e misericordiosos braços, abraçou-o dulcissimamente: e naquele abrir de braços viu Frei João sair do sacratíssimo peito do Salvador raios de luz esplendentes, os quais iluminavam toda a floresta como também a ele na alma e no corpo. Então Frei João se ajoelhou aos pés de Cristo; e Jesus bendito, como fez à Madalena, lhe deu o pé benignamente a beijar, e Frei João, tomando-o com suma reverência, banhou-o de tantas lágrimas que verdadeiramente parecia uma outra Madalena, e dizia devotamente: “Peço-te, Senhor meu, que não olhes os meus pecados; mas pela tua santíssima paixão e pela efusão do teu santíssimo sangue precioso, ressuscita minha alma à graça do teu amor; como é teu mandamento, que te amemos com todo o coração e com todo o afeto; qual mandamento ninguém pode cumprir sem a tua ajuda. Ajuda-me, pois, amantíssimo filho de Deus, para que te ame com todo o meu coração e todas as minhas forças.” E estando assim Frei João neste falar aos pés de Cristo, foi por ele atendido e recuperou a primeira graça, isto é, a da flama do amor divino, e todo sentiu-se consolado e renovado: e conhecendo que o dom da divina graça tinha voltado, começou agradecer ao Cristo bendito e a beijar-lhe devotamente os pés. E depois erguendo-se para o ver de face, Jesus Cristo lhe estendeu e deu-lhe as santíssimas mãos a beijar; e beijadas que foram Frei João se aproximou e encostou-se ao peito de Jesus e abraçou-o e beijou-o, e Cristo semelhantemente beijou-o e abraçou-o. E neste abraçar e neste beijar Frei João sentiu tanto olor divino que, se todas as especiarias e todas as coisas odoríferas do mundo estivessem reunidas, teriam parecido um aroma vil em comparação daquele olor. E com isso Frei João foi arrebatado e consolado e iluminado, e durou-lhe aquele odor na alma muitos meses. E dora em diante de sua boca abeberada na fonte da divina sapiência no sagrado peito do salvador, saíam palavras maravilhosas e celestiais as quais mudavam os corações de quem o ouvia e faziam grandes frutos nas almas. 

     E no atalho da floresta, no qual estiveram os benditos pés de Cristo, e por grande distância em torno, Frei João sentia aquele olor e via aquele esplendor sempre quando ia ali muito tempo depois. Voltando a si Frei João após aquele rapto, e desaparecida a presença corporal de Cristo, ficou tão iluminado a alma pelo abismo de sua divindade, que, ainda não sendo homem letrado por humano estudo, no entanto maravilhosamente resolvia e explicava as sutilíssimas questões da Trindade divina, e os profundos mistérios da santa Escritura. E muitas vezes depois, falando diante do papa e dos cardeais, de reis e barões e mestres e doutores, os punha a todos em grande estupor pelas altas palavras e profundas sentenças que dizia. Em louvor de Cristo. Amém.

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Fonte: Crônicas e Outros Testemunhos do Primeiro Século Franciscano. 9° Ed. Petrópolis: Vozes, 2000, p: 1180.

Um comentário:

Elenice disse...

Nossa que texto maravilhoso. Acho que encontrei um blog que combina comigo. Eu também sou muito devota dos santos. Parabéns a todos aqueles que defendem e divulgam a vida dos santos.