A  verdade é bem diferente da ficção que se divulga sobre a Inquisição. Há  necessidade de analisá-la com serenidade, com base na ciência histórica  e dentro do contexto da época de sua existência.               
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| Prof. Dr. Roman Konik, da Polônia | 
Na  entrevista concedida ao Sr. Leonardo Przybysz, nosso correspondente em  Cracóvia (Polônia), comprova-se como os fatos — alicerçados na realidade  histórica, e que se tornaram patentes mediante rigorosas pesquisas —  diferem inteiramente das fantasias criadas e das detrações  anti-Inquisição, embora não se negue que tenha havido certos abusos  cometidos por alguns poucos inquisidores.
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Catolicismo — Em seu livro Em defesa da Santa Inquisição, o  Sr. explica que a Inquisição não era a responsável pela execução das  penas de morte, mas sim os tribunais leigos. Não será esse ponto de  vista semelhante às opiniões de alguns historiadores judeus, que dizem  não ter sido o Sinédrio o responsável pela morte de Nosso Senhor Jesus  Cristo, mas o Tribunal Romano?
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| São Pio V antevendo a batalha de Lepanto.  Antes de ser Papa ele foi inquisidor-mor na Itália.  | 
Prof. Konik — Sempre que tocamos no assunto do funcionamento da Inquisição, precisamos considerá-la sob o prisma da época em que ela atuou. Na Idade Média, a Religião constituía a garantia e o fator de coesão do Estado. Sempre que tentamos delimitar o Direito civil e o eclesiástico, encontramos dificuldades. Os leitores das crônicas de Gall Anonim (monge beneditino que escreveu a história da Polônia desde o início até o século XII; não se conhece seu nome; alguns dizem que vinha da Gália, daí o nome Gall Anônimo) muitas vezes fazem a pergunta: quebrar os dentes publicamente com um pedaço de pau, devido à quebra ostensiva do jejum, constituía uma pena civil ou eclesiástica? Na verdade, era uma pena civil à qual a Igreja se opunha.
Na Idade  Média, os problemas criminais, civis e religiosos se interpenetravam.  Lendo os autos dos processos inquisitoriais, mais de uma vez encontramos  bandidos comuns que, surpreendidos pela polícia no ato de violação, de  roubo, de assalto à mão armada, rapidamente inventavam uma motivação  religiosa para explicar o seu procedimento. Por quê? Simplesmente para  cair na esfera da justiça da Inquisição e não da justiça civil ou  temporal. Pois a justiça inquisitorial garantia pelo menos uma  investigação, em vez da pena de fogueira imediata, a qual — como a pena  de morte ou o decepamento da mão — não foi absolutamente invenção dos  inquisidores.
Lembremo-nos de que nesse período  histórico aplicava-se a pena de morte até pela falsificação de dinheiro  ou pela ofensa à majestade real. Analogamente aceitava-se o fato de que a  ofensa dirigida a alguém superior ao rei, ou seja, a Deus, só poderia  ser punida da mesma forma. Os hereges pertinazes, mais freqüentemente os  heresiarcas (isto é, os autores de heresias) e que se recusavam a  abandonar o erro eram tratados como rebelados comuns. Isso se  compreende, considerando-se que a atuação de herejes como os cátaros  destruía a ordem social. Eles não aceitavam o funcionamento da sociedade  civil e eclesiástica, incitavam à renúncia da medicina e à completa  abstinência sexual, inclusive no casamento, ou ao ritual chamado endura (morte  voluntária pela extenuação do organismo, ou morte pela fome). Promoviam  o aborto, acreditando ser melhor uma criança não nascer neste "vale de  lagrimas", e ir assim diretamente para o Céu. Grupos de hereges  revoltosos atraíam os pobres para suas fileiras, sob a promessa de que,  roubando aos ricos, contribuíam para criar uma igreja nova, na qual as  chances seriam iguais para todos. Isso não era uma contravenção  estritamente religiosa, razão pela qual muitas vezes, após o julgamento e  definição do grau de heresia, os rebeldes eram entregues ao braço civil  para que se procedesse ao devido processo penal que dizia respeito a  questões criminais: roubo ou violação. Freqüentemente acabava em pena de  morte, mas a responsabilidade dos inquisidores em relação ao direito  era igual à de cada cidadão. Uma situação equivalente, hoje em dia,  consistiria em a Igreja concluir de acordo com o Direito Canônico um  processo de sacerdote por crime de pedofilia, e em seguida entregar o  caso à Procuradoria para que concluísse a investigação e aplicasse a  devida pena. 
A maior parte das heresias nascidas  na Idade Média atingia sobretudo a justiça civil. Vale a pena lembrar  que o tribunal inquisitorial, entregando o herege à autoridade civil,  incluía uma carta recomendando prudência na decisão.
Catolicismo — Também em seu livro o Sr. aponta a criação de um quadro negativo da Inquisição através de livros (sobretudo O Nome da Rosa, de Umberto Eco), pinturas, filmes ou exposições. Realmente, muitos artistas que retrataram a Inquisição (por exemplo, Goya) não viveram na época de sua existência. Pode-se pois perguntar se é fidedigno o que apresentaram. O Sr. conhece artistas que viveram no tempo da Inquisição atuante, que a mostraram de modo fiel?
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| São Pedro de Verona, inquisidor-mártir  morto por ódio à fé por hereges  | 
É  importante registrar que escritores protestantes, pouco simpáticos à  Inquisição, começaram a escrever a história dela de maneira  desfavorável, apresentando-a deformada. Também nas expressões artísticas  das épocas posteriores à medieval verificou-se um reflexo dessa visão  caricatural. Mas basta analisar o mundo artístico medieval para observar  quadros que apresentam São Domingos convertendo os hereges, São  Bernardo de Claraval discutindo com eles, ou então pinturas de  inquisidores-mártires morrendo nas mãos de hereges — por exemplo, o  martírio de São Pedro de Verona; ou de São Pedro de Arbués, assassinado  na catedral de Saragoça (Vide seção Vidas de Santos).
Exemplo  de ódio radical contra a Igreja e da manipulação a que me referi é um  quadro no Museu Nacional de Budapeste, apresentando uma sala de  torturas, intitulado no catálogo “Inquisição”. Só depois de muitos  protestos de historiadores, mostrando que o quadro apresentava cena de  tortura num tribunal civil, é que o título foi mudado para “Sala de  torturas”. 
Lembremo-nos de que foram as  descrições caricaturais de Diderot, Voltaire e até Dostoiewski que  formaram na mente do homem de hoje a visão da Inquisição como um  espectro. Os historiadores poloneses também não ficaram atrás dos  historiadores “progressistas”. Deparando diariamente com essa visão  distorcida da Inquisição, o homem comum é inclinado a aceitá-la como  verdadeira.
Catolicismo — O Sr. diz que os inquisidores eram pessoas simpáticas, esclarecidas. Mas tanto ouvimos falar deturpadamente sobre as inimagináveis e sádicas torturas...
Prof. Konik —  Se isso fosse verdade, então por que tantos malfeitores esforçavam-se  em demonstrar que suas infrações eram de natureza religiosa, para que  dependessem de juízes-inquisidores? Certamente não era porque gostassem  de ser torturados... Lembremo-nos de que nesse tempo os tribunais civis  em geral aplicavam torturas como forma, por exemplo, de um acréscimo de  castigo, que precedia a morte. Já nos tribunais inquisitoriais as  torturas, quando aplicadas, o eram somente com o objetivo de obter  informações muito importantes. Na legislação medieval a aplicação de  torturas era geral, mas os tribunais inquisitoriais as adotaram de forma  muito abrandada. Proibiam torturar mulheres grávidas, crianças ou  pessoas idosas. Para aquela época, isso era considerado inovador, pois  nos tribunais civis tais pessoas não eram excluídas da possibilidade de  serem torturadas. Era proibido também torturar duas vezes a mesma  pessoa. A aplicação de torturas devia ser decidida por aclamação de  todos os juízes — como também do defensor do réu — e com a aprovação do  bispo local e de um consultor independente. Ressalto que as torturas  aplicadas pela Inquisição eram raras. Na França, onde se efetuava a luta  contra a seita dos albigenses, durante 200 anos só três vezes  decidiu-se aplicá-la. A tortura mais freqüente era privar o condenado de  alimentação, ficando ele totalmente isolado. Os tribunais da Inquisição  foram os primeiros a garantir a defesa ex-ofício e o que hoje é  praticado: a prisão domiciliar e a liberdade mediante caução. As  informações obtidas através de torturas não podiam ser consideradas como  prova e deviam ser confirmadas num período posterior de 24 horas.
Os  inquisidores eram recrutados sobretudo entre os melhores religiosos, de  alta formação e de fama ilibada. A idade mínima era 40 anos, devido à  experiência de vida, e tendo em vista precaver-se contra decisões  apressadas, próprias da juventude. Os inquisidores não podiam usar arma.  Eram pessoas normais do povo, freqüentemente viajantes, intelectuais  curiosos de conhecer o mundo. A autoridade do inquisidor era geral na  sociedade. Após o assassinato de Pedro de Verona, um dos mais conhecidos  inquisidores, a multidão bradou: santo súbito. Este fato está em clara contradição com a idéia que as pessoas hoje fazem sobre os representantes dessa “profissão”.
Também  a carta dos bispos do Sínodo de Toledo causa surpresa, pedindo aos  inquisidores que sejam moderados nos jogos e não fiquem até tardias  horas nas praças. 
Catolicismo — Será que a comparação que o Sr. faz em seu livro, das seitas heréticas com grupos comunistas, não constitui analogia um tanto exagerada?
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| Dr. Roman Konik autografando seu livro Em Defesa da Santa Inquisição | 
Prof. Konik — Mas, de fato, não foi isso (ou seja, medidas de caráter comunista) que fizeram os irmãos dulcianianos (seita  medieval, muito esquerdista, liderada por Dulcian, que atuou sobretudo  na Itália), os quais lutaram para introduzir a comunidade de bens, e  assim privar a todos da propriedade privada? Lembremo-nos de que a  atuação dos hereges não era apenas na linha da persuasão, mas  freqüentemente obrigavam as pessoas ricas a “distribuírem aos necessitados” seus  bens; os quais, como sempre acontece nessas situações, eram  imediatamente defraudados. A semelhança também existe na esfera da  propaganda: tanto a esquerda moderna como os hereges de outrora  empenhavam-se em introduzir a “justiça social”, utilizando chefes  carismáticos para enganar a população. É digno de nota que os movimentos  heréticos nunca tentaram arregimentar membros da classe intelectual,  procurando sempre apoio nas classes mais baixas, de pouca instrução. A  semelhança entre os hereges medievais e a esquerda moderna é notória  também pelo fato de que ambos os movimentos dirigem-se às pessoas numa  linguagem que elas querem ouvir. Nas homilias dos hereges cátaros, nunca  aparece o elemento de responsabilidade pessoal. Não está presente o  Juízo Final, o Purgatório não existe, mas somente o Céu, e este é  destinado a todos. Como no socialismo: a visão da vida na Terra sem que  se assumam responsabilidades foi, é e será sempre algo que atrai. 
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Fonte: Revista Catolicismo, Setembro de 2006 





7 comentários:
Muito bom,é de textos assim que agente precisa em que a verdade é falada sem rodeios, na escola agente nunca ouve essas verdades com clareza.
Muito bom mesmo.Vou mandar pra minha professora.
Quando esse livro vai ser traduzido para o nosso idioma português? Desejamos que alguém o faça.
Gostaria de saber se há uma contagem de quantos autores de livros sobre a INQUISIÇÃO são a fovor de defendê-la ou de nostrar sua culpa. Alguém pode me responder??
Caro Darley
Desculpe-me sair um pouco de sua pergunta (aliás, interessante), entretanto, creio que o melhor é entende-la - a inquisição- como ela se deu em seu contexto histórico o que nos mostra a grandeza dessa instituição. Houveram sim pessoas que fugiram a seus propósitos, porém onde houver homens haverão deslizes; pense, a nível de exemplificação, no próprio "Grupo dos Doze Apóstolos" escolhido pessaolmente pelo Filho de Deus: Um deles chegou a vender o Redentor...
O bem que fez para o ocidente, mas tamném para o mundo, a Inquisição, será ainda lembrando com louvor pelos grandes estudiosos do futuro. Hoje, infelismente, estamos cegados pela superficialidade e preconceito...
Darley,
O que importa não é contagem a favor ou contra. Esta não é uma questão de maioria, é uma questão histórica e o que vale é a verdade dos fatos.
Tudo o que lemos sobre a inquisição nas revistas e jornais, o que vemos nas tvs etc, nunca vem com referências a documentos sérios ou a pesquisadores que querem a verdade, mas opiniões e quase sempre contra a Igreja Católica e, logicamente, contra a Insquisição.
Todos os livros realmente sérios sobre o assunto, mostram uma Inquisição muito diferente daquelas que a mídia geral nos quer mostrar, porém quase nada em português. É uma pena.
Perguntaria ao professor Roman Konik, se a condenação de Galileu Galilei pela Santa Inquisição, também não aconteceu, haja vista de que até o papa reconheceu que foi um erro o que fizeram com ele.
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