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Bernardo replicou modestamente, mas com dignidade e energia |
Segue abaixo a segunda parte do trecho do trabalho «Em louvor da Nova Milícia», dirigido aos «Soldados do Templo» e a Hugo, seu chefe. Consta de treze capítulos além de um curto prefácio.
«Os templários compreendiam quatro classes de pessoas: os cavaleiros, que formavam a cavalaria pesada; os sargentos ou cavalaria ligeira; os lavradores, a cujo cargo se achavam as temporalidades e, os capelães que atendiam as necessidade espirituais dos seus irmãos. Constituía seu singular privilégio encontrarem-se directamente sujeitos à Santa Sé e totalmente independentes de qualquer outra autoridade eclesiástica ou civil. Semelhante favor e os bens que rapidamente se acumularam nas suas mãos, juntamente com as glórias adquiridas nos campos de batalha, provocaram considerável oposição. Não obstante, a Ordem continuou a desfrutar de exemplar prosperidade até ao começo do século catorze. Neste período, governava a França Filipe, o Belo. A cupidez era o seu pecado proeminente, e dirigiu um olhar voraz para a extensa propriedade que os templários haviam conquistado com a espada ou adquirido por doação. Necessitava de apoderar-se daquelas riquezas por meios pacíficos ou à força. Alguns membros degradados foram induzidos a acusar os seus irmãos de ofensas contra a fé e moralidade, e, apoiado nesta acusação, o monarca ordenou, no mesmo dia, 13 de Outubro de 1307, a prisão de todos os cavaleiros brancos no seu reino. Não existindo provas consistentes contra eles, foram torturados para forçá-los a confessar. Alguns pereceram sob o tormento e muitos outros proclamaram-se culpados como única forma de obterem lenitivo; mais tarde retrataram as suas confissões, o que lhes valeu serem queimados vivos, em número de cinquenta e quatro, a 12 de Maio de 1310. Tudo isto, não somente sem autorização do papa Clemente V, mas apesar da sua vigorosa oposição. Por fim, o Pontífice suspendeu os poderes dos inquisidores de Filipe e abriu um inquérito que se estendeu a todos os países cristãos. Em Portugal, Espanha, Alemanha, Itália e Chipre o carácter dos cavaleiros templários foi reabilitado triunfalmente. A parte o que se pudesse dizer aqui e ali de indivíduos isolados, a Ordem foi reconhecida inocente das acusações anteriores. Foi este o veredicto do concílio geral de Viena, em 16 de Outubro de 1311, no qual a maioria dos padres votaram pela manutenção da Ordem. No entanto, Clemente, considerando que, com tanta oposição e suspeita contra ela, a Ordem dos cavaleiros brancos, apesar de inocente, não poderia continuar a ser útil à Igreja, decretou a sua 'dissolução', não como castigo, mas como medida de prudência.
O concílio de Troyes não foi o único nesta época ilustrado pela sabedoria de Bernardo. Assistiu também, bastante contra a sua vontade, aos de Arras, Châlons, Cambrai e Laon. As fortes medidas adoptadas por estas assembleias indicam claramente a sua influência. O concílio de Arras, efectuado em Maio de 1128, ordenou a dispersão de uma comunidade religiosa que se tornara incorrigivelmente descuidada; em Châlons, () bispo de Verdun, acusado de Simonia e má administração, foi forçado a abandonar a sua sé; em Cambrai, o abade Fulbert de_ Santo Sepulcro teve de demitir-se. O povo atribuiu estas severas determinações ao abade de Claraval como se fosse ele o único responsável. Claro que o facto excitou bastante a amargura e ressentimento daqueles que haviam sido punidos pelo
concílio. Foi denunciado a Roma como entremetido oficioso, homem de ideias ambiciosas, amigo de aparecer em público. Como o papa Honório se encontrava então no seu leito de morte (faleceu a 14 de Fevereiro de 1130), o Cardeal Haimeric, chanceler da Santa Sé, enviou-lhe em nome do Sagrado Colégio uma áspera censura. A carta do cardeal não chegou até nós; todavia, podemos formar uma ideia do seu conteúdo pela resposta de Bernardo. Afigura-se-nos que a comparação do abade santo com uma rã impudente (que salta do seu lodaçal para perturbar a paz do mundo com o seu rouco coaxar) não pertence, na realidade, a Haimeric, mas ao próprio Bernardo. O chanceler certamente nunca teria pensado em empregar linguagem tão violenta para se dirigir a quem tanto estimava. A prova de que estimava o abade de Claraval está bem patente nos termos utilizados para com ele numa carta a formular uma petição a favor dos monges beneditinos de São Benigno, Dijon, no ano de 1126. "Os meus amigos conhecem perfeitamente o muito que me amais, e principiarão a invejar-me a felicidade se eu tentar conservar somente para mim todo o benefício dela resultante (escreve o santo), Os monges de Dijon são-me muito queridos; agradar-me-ia lhes permitísseis ver que o amor não é vão, tanto o vosso por mim como o meu por eles, desde que, evidentemente, não brigue com os interesses da justiça, em cujo caso seria censurável pedir coisa alguma mesmo a um amigo". Fora igualmente ao chanceler que Bernardo dedicara a sua dissertação acerca do amor de Deus, de que mais adiante falaremos. Podemos, pois, inferir, pelo menos, que a carta de censura foi elaborada polidamente; a severidade do seu tom dificilmente pode ser negada, embora expressasse menos as ideias do próprio cardeal do que as dos seus irmãos. Bernardo replicou modestamente, é certo, mas com dignidade e energia __ pois não se tratava de uma defesa própria, mas de justificar os actos de concílios provincianos, alguns dos quais haviam sido presididos pelo Cardeal Legado Mateus.
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São Bernardo de Claraval (1090-1153) |
"O quê? (exclama). Até os pobres e desprotegidos deverão encontrar oposição para salvaguarda da verdade? Nem na própria miséria haverá refúgio da inveja? Deverei lamentar-me ou alegrar-me, visto eu próprio haver conseguido inimigos ao pronunciar a verdade? Deverei dizer: falo verdade ou procedo de acordo com a verdade? Isto por vós deverá ser decidido: quem contra a prescrição da lei amaldiçoara o surdo (Lav., 19, 14) e, apesar do conselho do profeta, chamará mal ao bem e bem ao mal (Is., 5, 20)".
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A Ordem desfrutou de prosperidade até ao começo do século XIV. |
Fonte:
LUDDY, Ailbe J. Bernardo de Claraval. Lisboa: Editorial Aster, 1953, p.168-171.
Primeira parte aqui.
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MARIA SEMPRE!
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