segunda-feira, 1 de agosto de 2016

SOBRE A VISÃO ROMÂNTICA - PARTE II

 Leia a primeira parte aqui

Romantismo é a tendência a acentuar
a primazia do sentimento sobre o pensamento
Prof. Pedro Maria da Cruz

A partir de então, o homem passou a ser encarado em sua vida total. Mais que o entendimento e a vontade se impuseram o sentimento e a fantasia. Com isso, o Romantismo instalou sua pátria, predominantemente, na região artística, de maneira especial na região da poesia. Daí ter se encaminhado para uma direção irracional, em busca de um ‘viver-com-tudo’ que, ao mesmo tempo, aparece também como intuição intelectual que repele todo conceito definitivamente perfilado e acompanha a vida em seu devir que segue para o Infinito e desfaz, reiteradamente, toda forma. Excluindo e incluindo o irracional e o racional, isto é, espontaneidade, a novidade imprevisível e a força coordenadora e unificadora que tende a fazer de um caos um cosmos, o Romantismo deixa de ser um fato principalmente literário – e filosófico só por acessão – para se transformar num fato principalmente filosófico, onde não só a Literatura, mas também a Ciência, a Religião, a História se encontram conjugadas por um mesmo esforço para conquistar uma visão total da vida.”

“(...) As imagens fazem bem à alma, já se havia dito nos primórdios do Romantismo; a poesia é a realidade absoluta, se acrescentará depois. Ao irromper em seu mistério, os poetas buscavam a total harmonia com a natureza, impulsionados com intensidade pelas representações do inconsciente. Para isso aniquilaram as aparências temporais, apreenderam a existência imediata como uma vida para âmbitos noturnos e oníricos, aplicaram novos significados à revelação das sensações, e assim a poesia se converteu numa forma de conhecimento ‘mágico’ que relacionava estreitamente o circundante com a vida obscura do poeta. (...) A concepção ‘analógica’ entre universo e alma se fez a tal grau consciente que, em geral, precedia à aventura lírica. E isto ensejou uma impetuosa corrente universal que confiava sua inspiração ao sonho e à noite e que ajudou a criar o conceito moderno de arte. Nesse sentido, a poesia passou a ser a interpretação dos fenômenos e dos mistérios do universo, por que é uma série de gestos mágicos realizados pelo poeta que não conhece claramente sua significação, mas que acredita firmemente que esses ritos são os elementos de uma magia soberana. E precisamente nessa humanização do divino, nesse pressentimento do Infinito nas intuições – como queria Uhland – está a essência do romântico. 

Wonder - Zena contemplando a lua.
Pintura Moderna de Alex Grey
Era o Romantismo a vitória do indivíduo sobre a disciplina moral e intelectual do Classicismo, que transformara a cultura humana, desde o século XVI, num jogo de princípios invariáveis e regras inflexíveis dentro dos quais o espírito se movia com dificuldade, e quase sem autonomia. Uma vitória, porém, imersa num halo mórbido, pois as linhas nítidas do Classicismo são substituídas pelos entretons românticos; uma indecisa religiosidade, a atração pelos aspectos indolentes da natureza, pelos crepúsculos silenciosos e pelas ruínas verdejantes, e tranquilas, uma vaga piedade por todas as matérias da terra e, ao mesmo tempo, um descontentamento permanente de tudo quanto existe, assim como uma constante exaltação pelo desconhecido e pelos grandes sacrifícios e heroísmos. Dos nevoentos fiordes nórdicos emerge a enigmática máscara de Odin: é o mal do século... 

E o Brasil foi colhido em cheio pelo Romantismo, fazendo do garoento planalto paulista seu reduto (...).” 


Fonte: VITA, Luís Washington. Panorama da Filosofia no Brasil. COLEÇÃO CATAVENTO: Série Universitária. Porto Alegre: Editora Globo, 1969; págs. 48-60

MARIA SEMPRE!

Nenhum comentário: