terça-feira, 3 de setembro de 2013

ELEIÇÃO DO PAPA: REPERCUSSÃO



Por Fr. Cristiano Maria da Cruz

Muito se tem falado acerca desta extraordinária eleição para a cátedra de S. Pedro. E de muitas maneiras também... Para alguns, este evento marca o início de “outra primavera” e alvorecer e de uma “autêntica renovação eclesial”. Para outros, este ocorrido é sinal inequívoco de uma igreja em crise e entregue às mãos da revolução igualitária. Será? 

Muitas são as especulações! Muitas as opiniões que se veem e se leem por aí... Algumas bem fundamentadas. Outras, nem tanto... Nesta missiva, não queremos multiplicar polêmicas estéreis, mas tão somente acentuar algumas questões que por vezes nos passam despercebidas e que, assim, “obnubilam” uma visão mais justa dos fatos. No caso em questão, do “fato” Francisco. 

Em primeiro lugar, cumpre afirmar uma verdade que tem sido “praticamente” esquecida em muitos meios: todas as funções ou ministérios que se exercem na Igreja ou a partir dela são acompanhados pelas chamadas “graças de estado”. Estas consistem em dons da Divina Providência que, de acordo com o Catecismo da Igreja Católica, nº 2004, “acompanham o exercício das responsabilidades da vida cristã e dos ministérios no seio da Igreja”. Assim sendo, ao Santo Padre Francisco são reservadas insignes luzes para guiar retamente o rebanho de Nosso Senhor. Rezemos para que ele esteja sempre aberto às mesmas. 

Tais luzes tem se mostrado evidentes se considerarmos os discursos e ensinamentos que fez ao orbe católico até o momento. Estes por vezes passam despercebidos, sobretudo pela mídia e por alguns setores (contra)eclesiais. Isso se dá porque muitos, no afã de novidades e de “deformas”(1), tem dado conotações seculares aos - em si mesmos - excelentes gestos de acolhida e de solicitude do santo padre para com as pessoas, especialmente as mais necessitadas. 

Acerca destes valiosos ensinamentos do pontífice, vale acentuar aqui alguns dos mais relevantes. O primeiro diz respeito à necessidade da acolhida da “novidade do amor de Deus”. “Novidade” no sentido de que a qualidade de nossa união com Deus nosso Senhor deve ser sempre crescente, ardorosa e comprometedora. Um amor que se renova e que deve concretizar-se em gestos concretos de testemunho. 

Esta “re-posição” da necessidade de uma vinculação mais estreita para com o Senhor exclui os compromissos fáceis com o mundo – tema sempre retomado pelo papa em seus discursos. Acerca dele, o santo padre tem destacado seu caráter provisório e falso(2). Chegou a afirmar, faz algum tempo, que com o “príncipe deste mundo não pode haver diálogo”. 

A “Igreja”(3) é outro tema que tem sido presente nos discursos do pontífice. Deve nos encher de esperança falas que unem “a identidade cristã” com uma “pertença efetiva à Igreja”. Ensina-nos Francisco que o ser cristão, mais do que pertencer “nominalmente” a uma agremiação, é ser verdadeiramente unido à Igreja de Cristo. A “pertença” é palavra forte por transcender a uma relação de mera “inclusão física”. Engloba a adesão do coração e da mente à mãe Igreja, com um zelo sempre crescente pela mesma. 

Cumpre mencionar ainda um aspecto tão largamente difundido e pouco compreendido: o incisivo apelo do papa à misericórdia de Deus (4). Esta “misericórdia” tem sido confundida com permissivismo, no que se refere aos erros e aos pecados, por parte de alguns, e com “entreguismos irênicos” ao mundo e às heresias, por parte de outros. Aqui, preferimos seguir as sendas do próprio papa: a mercê de Deus nos impele a desenvolver, por meio da dimensão missionária da Igreja, mecanismos eficientes que facilitem a chegada da verdade àqueles que claudicam nas trevas do pecado, do erro e da ignorância. 

Por isso a dimensão do “Espírito” é importante: como alma da Igreja, Ele a ajuda a extrair de seu baú coisas “novas e velhas”. Em outros termos, faz com que a Igreja, esposa imaculada do cordeiro, se encontre sempre nova e sempre fiel a seu Fundador, Mestre e Esposo. 

Outra atitude tem chamado à atenção: a demasiada simplificação das cerimônias e ritos empregados pelo papa Francisco. Este ponto tem gerado muita repercussão. A princípio, parece uma concessão aos igualitarismos que tanto assolam muitos setores da Igreja, sobretudo a partir do período pós conciliar. 

Contudo, não nos esqueçamos de dois fatos que podem esclarecer algumas questões. Eis o primeiro: por ser “religioso jesuíta”, o papa Francisco trará para o pontificado as marcas ou sinais de sua consagração religiosa. E isso implica austeridade - sinal do voto de pobreza - que, segundo nos parece, compunha a vida de Sua Santidade enquanto vivia dentro dos muros da Companhia de Jesus e mesmo depois do episcopado e do cardinalato. 

O segundo fato se visibilizou sobretudo na celebração da Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Contrastando com a euforia das manifestações favoráveis ao Santo Padre nos momentos de acolhida e nas procissões a bordo do papamóvel - onde víamos um papa aberto, caloroso e próximo das pessoas - havia o momento da celebração litúrgica. 

Ali víamos “outro Francisco”: é de se notar o apreço que tem ao silêncio e à meditação/contemplação durante o Santo Sacrifício que encerrou a JMJ. Sua discrição, piedade e modéstia contrastavam com o frenesi daqueles que compunham o presbitério e a schola cantorum (padres cantores, sobretudo) em tal celebração. 

A propósito, a presença de Francisco no Brasil nos últimos dias permite-nos conhecê-lo melhor, bem como seu programa de governo da Igreja de Cristo. Para não estender tanto nossa prolixidade nesta reflexão, cumpre mencionar alguns pontos aduzidos de seu discurso aos bispos responsáveis pelo CELAM (5). Nesta fala, a nosso ver a mais ampla deste seu pontificado, aludiu a muitos temas importantes. 

Dentre eles, citamos a necessidade de “renovação interna da Igreja” e o “diálogo com o mundo atual”. 

No que concerne à “renovação interna da Igreja” o papa acentua a necessidade da conversão pastoral. Em síntese, trata-se da necessidade de se cultivar um apostolado ardoroso e evangelizador que apresente Jesus Cristo às pessoas. A Igreja, nesse sentido, deve ser “prolongamento do dinamismo da Encarnação”. 

Já no tocante ao “diálogo com o mundo atual” é relevante mencionar a proposta de discernimento feita por Francisco. É preciso ter ciência das categorias do mau espírito, tentações que querem impedir a eficácia do apostolado evangelizador da Igreja. E cita, entre outras, a ideologização da mensagem evangélica (interpretação do evangelho contraditória ao próprio evangelho e à Igreja), mormente levada a cabo pelo tendência “reducionista socializante”; o gnosticismo (pretensa interpretação mágica, ilustrada e deturpadora da realidade), além do “funcionalismo” (igreja como instituição assistencialista) e do “clericalismo” (tanto dos clérigos quanto dos leigos). Outras questões deste discurso as abordaremos com pormenores em outra oportunidade. 

Dessa maneira, findamos esta reflexão. Esperemos e acompanhemos, sobretudo com nossas orações e sacrifícios, a trajetória de Francisco, e que seja frutuosa para a vida da Igreja nestes tempos tão difíceis que enfrentamos. 


MARIA SEMPRE!


Notas:

(1)http://www.brasildefato.com.br/node/12768 (2)http://www.vatican.va/holy_father/francesco/homilies/2013/documents/papa-francesco_20130428_omelia-cresime_po.html 
(3)http://www.vatican.va/holy_father/francesco/homilies/2013/documents/papa-francesco_20130423_omelia-san-giorgio_po.html 
(4)http://www.vatican.va/holy_father/francesco/homilies/2013/documents/papa-francesco_20130407_omelia-possesso-cattedra-laterano_po.html 
(5)http://www.vatican.va/holy_father/francesco/speeches/2013/july/documents/papa-francesco_20130728_gmg-celam-rio_po.html 

REFERÊNCIAS 

Catecismo da Igreja Católica

Vatican. Va (site oficial do Vaticano)

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