Por R. G. Santos
INTRODUÇÃO
Ao estudarmos a filosofia medieval constatamos ser a mesma um mosaico de concepções. Em outros termos, muitos são os pressupostos forjados nesse período para o entendimento da vida social.
Dentro desta perspectiva, destacam-se dois pensadores que, cada um a seu modo, elaboraram reflexões cujas conseqüências rompem radicalmente com o modelo de pensamento político vigente. São eles Guilherme de Ockhan e Marsílio de Pádua.
Nesse sentido, o objetivo do texto é, sobretudo, compreender o modo como cada um deles rompe com uma idéia política amparada na noção de cristandade rumo ao chamado laicismo.
Ao fim e ao cabo, perceber-se-á o vigor da radicalidade de nossos autores ao pensarem a realidade política destituída de influências eclesiásticas e religiosas.
MARSÍLIO DE PÁDUA
Nossa primeira consideração se deterá no pensamento de Marsílio de Pádua. Nesse italiano se tem um espírito imbuído pela crítica e pelas distinções, sobretudo, em matéria política. Separará a razão da fé, influenciará posteriormente muitos arautos da modernidade e desta será, em certo sentido, um claro prelúdio.
Marsílio de Pádua |
Em outros termos, cada cidadão, tanto na esfera individual da vida como na grupal ou coletiva, pode criar mecanismos de vida feliz e mais: sem uma intervenção, mesmo tácita, da Igreja.
Já há aqui um redimensionamento da influência política da religião: ela se torna uma peça a mais no “quebra–cabeças” da construção citadina. Tem sua vigência e seu valor na medida em que incute nos homens valores e virtudes que os façam melhores. Isso redundará em benefícios para a sociedade.
Eis a contribuição da religião, entendida em acentos claramente funcionais. Seu discurso e sua alçada remetem única e propriamente ao além. Assuntos relativos à lei e ao Estado não se encontram na esfera de sua influência.
Como conseqüência disso que apontamos, tem-se a valorização do povo e de sua soberania, além do próprio Estado.
GUILHERME DE OCKHAM
Seguindo os delineamentos traçados outrora por Marsílio, temos a reflexão de Guilherme de Ockham. Franciscano “radical”, também aventa idéias inovadoras para seu tempo: em matérias filosóficas, políticas e eclesiásticas numa perspectiva “crítico-contestatória”.
Guilherme de Ockham |
Acompanhando esse primeiro divórcio, tem-se também um simultâneo rompimento entre a alçada civil e a eclesiástico-religiosa. Percebendo que o modelo de cristandade redundaria concretamente em ingerências e confusões (sobretudo por parte da autoridade religiosa), propõe a separação das esferas supracitadas. As coisas da fé são as coisas da fé. As coisas da política são as da política. Em termos bíblicos, “dar a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus”.
Percebe-se aqui que o poder temporal torna-se autônomo e soberano em seus domínios e competências. O governante tem suas prerrogativas de governo dadas diretamente por Deus, não necessitando da chancela do representante maior da Igreja, o papa.
Sobre o pontífice, Ockham irá tecer algumas considerações polêmicas.Não obstante o intento que persegue ao reduzir a amplitude de sua influência na sociedade, Ockham acaba por mitigar suas prerrogativas intra muros eclesiae (dentro dos muros da Igreja). Isso se dá, sobretudo, quando propõe a democracia na escolha do sucessor de Pedro, dando uma valorização maior do povo cristão em tal processo.
O enredo da crítica ao papado, dessa maneira, seria o combate à ênfase excessiva no próprio alcance dos atributos papais. É aqui que se entende a crítica à “plenitude do poder”. Nem na sociedade temporal, nem na eclesiástico-espiritual o poder exercido pelo papa se dá de modo correto.
CONCLUSÃO
Diante de tudo o que pontuamos, podemos definir uma conseqüência quase que evidente: a Igreja, e por tabela o papa, devem perder gradualmente sua influência na sociedade. Mais: quando a perspectiva cristã deixa de dar o tom nas instituições e até de moldá-las, dá-se largas ao laicismo: esse modus vivendi que relativiza, por assim dizer, a relevância do discurso religioso como definidor mor dos rumos do caminhar sócio-político.
São estas, portanto, as considerações que julgamos mister fazer a respeito desses autores, que ainda no medievo preparam o surgimento da modernidade.
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OBRAS CONSULTADAS
OCKHAM, Guilherme. Obras Políticas. Trad. José Antônio C.R. Souza. Porto Alegre: EDIPUCRS/USF, 1999.
PÁDUA, Marsílio de. O defensor da paz. Trad. José Antônio C.R.Souza. Petrópolis: Vozes, 1995.
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